terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Phantom Thread: a vez dos artesãos


É um dos filmes mais majestáticos do ano, porque é um modelo de marca. Um filme cuidadosamente medido, desenhado e cosido à mão pelo delicado engenho de dois artificies marcantes: Paul Thomas Anderson, na criação, e Daniel Day-Lewis, na execução. O resultado final é inteiramente indissociável de ambos, como numa dança impossível de fazer sem os dois, uma insinuação permanente, como se adivinhassem os movimentos um do outro, mesmo quando parecem estar a dançar sozinhos. Phantom Thread é um filme que deixa impressão e não deixa ninguém indiferente, e obviamente começa a ganhar logo aí. Por saber o que quer e para onde vai.

É austero, mas não assusta, é de finíssimo recorte, mas sempre capaz de nos envolver, de nos seduzir e de nos alimentar a saciedade. No universo de Paul Thomas Anderson, entrar numa sala de cinema, é como entrar num palácio, e é assim que o notável realizador californiano - que chancela mais uma suprema e incontornável nomeação ao Óscar - nos recebe no seu atelier de alta-costura, com decoro e formalidade, mas com uma capacidade omnipresente para nos fascinar pela profundidade da câmara, pelos cores e pelos filtros, pelos ângulos, os tecidos e as texturas, até pelos silêncios. É uma realização verdadeiramente em 4D, como se pudéssemos olhar e tocar em volta, e sentir-mo-nos em cada uma daquelas divisões.

Este é um exercício tão desafiante, quanto cativante, que nos exige atenção quase a tempo inteiro, comprometimento e devoção para com os detalhes, mas não é um exercício imaculado, porque como acontece quase sempre num filme que faz questão de ter a realização como protagonista, tão presente e tão saliente, é difícil até ao melhor dos maestros nunca perder a mão. Digamos que, se não perde a mão, Thomas Anderson deixa-se claramente deslumbrar, emerso no seu próprio perfeccionismo, prolongando cenas e contemplações que não precisariam de ser tão longamente concebidas, e, sobretudo, não por seu bel-prazer.

A juntar a isso, há que referir que o argumento é, pelo menos... peculiar. A caracterização das personagens e o fio condutor dão-nos pouco quase sempre, exigindo ao espectador uma carta branca para o que é compreensível, e para tudo aquilo que não é. Mas se não é de descuro que se trata, acaba por haver um certo ligeirismo psicótico, na premissa de que nada se explica, mas tudo é artisticamente justificável. Por ironia, o argumento será a única parte do filme que denota uma evidente dificuldade em falar connosco, talvez pelo esforço desproporcional (e desnecessário) em ser demasiado provocador ou inortodoxo.


Claro que depois há Sir Daniel Day-Lewis, e enquanto houver Day-Lewis há sempre esperança. Poucos predicados serão capazes de descrevê-lo, mas talvez possamos resumir que é alguém que podia ganhar um Óscar sempre que acorda. Aos 60 anos, é o melhor da actualidade, talvez seja o melhor de sempre, e pode ganhar este ano o 4º Óscar para Melhor Actor e bater... o seu próprio recorde absoluto. Com apenas seis filmes feitos nas últimas duas décadas, Day-Lewis anunciou que Phantom Thread seria a sua despedida, mas não faz sentido falar disso agora, e faz muito mais sentido que, por uma vez, ele não saiba o que está a fazer.

Phantom Thread tem uma realização metodista, muito forte e muito emblemática, mas obviamente não poderia existir sem o verdadeiro assombro que dá pelo nome do seu protagonista. Podia dizer que é uma interpretação de nível estratosférico, mas é mais correcto dizer que foi só mais um dia de escritório para Day-Lewis, um dos únicos da História que poderia incendiar um ecrã com um sorriso ou um olhar, com um gesto ou até com o seu próprio silêncio, impávido e sereno. Como o prova a sua carreira, Day-Lewis não tem pressa para nada, nem se exalta com coisa nenhuma, não vai pelo caminho mais fácil, nem definitivamente pelo mais óbvio. Day-Lewis joga no seu próprio tabuleiro, joga sozinho e ganha sempre.

Phantom Thread não é um filme unânime e não será, definitivamente, para todos os públicos, porque implica que se perda tempo e que se ceda poder, porque implica que se abdique de estar no controlo. Não é uma viagem para fazer sempre, mas quem se deixar levar, não se vai arrepender.

7.5/10

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