sábado, 10 de janeiro de 2015

The Imitation Game. Estatuto e pouco mais


Todos os filmes se sujeitam a ser avaliados à luz das expectativas que criamos para eles. Não sei se é lógico, mas é legítimo. É por isso que há determinados filmes de baixa monta que até nos enchem as medidas, mesmo quando estamos absolutamente conscientes das suas falências, ao passo que outros, tecnicamente impecáveis, efectivamente "superiores", acabamos por deixar de parte. Posto de uma forma simples, isto serve para dizer que The Imitation Game é uma desilusão.

Desde logo, porque a história era demasiado boa. Era como um thriller dos livros mas na vida real, um episódio mítico, incontornável e, durante meio século, secreto da 2ª Grande Guerra: a forma como os ingleses descodificaram a Enigma, a máquina criptográfica inquebrável que sustentava todas as comunicações nazis, obra e graça dum génio autista, homossexual e ostracizado de Cambridge, chamado Alan Turing. O elenco era tão bom como a história. No pico da forma e do reconhecimento do público e dos seus pares, Benedict Cumberbatch declarava a candidatura ao Óscar, secundado por uma lista de luxo da nata britânica. Era quase só pôr a toalha, afiar os talheres e esperar. The Imitation Game padeceu, porém, do mal tantas vezes inerente aos filmes que parecem fazer-se sozinhos.

O americano Graham Moore foi quem levou a cabo a adaptação do livro e a sensação que fica é que todo o seu cunho se resumiu a não querer estragar. A sintetizar a obra até à forma de um argumento, sem inventar demais, sem arriscar e sem nada que pudesse falhar. O resultado é um filme absolutamente liso, sem pulso nenhum, que se limita a fazer duas horas num piloto automático mais ou menos imperturbado e previsível. Pior do que isso, das poucas vezes em que tenta ser confrontacional ou emotivo, falha completamente, criando essas pequenas situações sem engenho, como quem está a seguir as deixas de um livro de instruções, porque era suposto. Em suma, o texto não é rico, as situações não são críveis e a relação entre as personagens, mais do que falhar, nunca chega realmente a ser profunda que baste.

Não é que o filme seja um transtorno, é só insuficiente. A história, seja como for, é inevitavelmente boa. A realização de Morten Tyldum é competente e a banda sonora de Alexandre Desplat é tão boa como sempre. O melhor em The Imitation Game é evidentemente Cumberbatch, mas o filme também é meritório na envolvência que, por ora, lhe consegue criar. Narrado em três faixas temporais, o bullying, o desconforto e a desconfiança são genuínos e, a espaços, respiram-se no ar, dando-lhe a credibilidade que a acção propriamente dita não consegue dar. Depois, claro, há o alcance de Benedict Cumberbatch.

A corrida ao Óscar foi precoce este ano e o britânico posicionou-se muito cedo, com muita opinião pública a favor. Gosto realmente dele e considero a performance de primeira água, mas também acho pacífico dizer que não é a melhor do ano. Não necessariamente por sua causa, mas porque o filme não o soube potenciar mais e melhor. Cumberbatch é um grande Alan Turing, com tantas idiossincrasias que já lhe reconhecemos de Sherlock que, hoje, quase já parecem dele. Trata-se de um papel exposto, a pedir uma vulnerabilidade estranha e perturbada, disfarçada de arrogância, que ele capitaliza como poucos. E o seu fim, enquanto personagem, é realmente brilhante. No resto, é o filme que não é bom o suficiente. Nem lhe exigiu mais, nem lhe deu mais interpretações à altura.

Os secundários são a outra grande derrota de The Imitation Game. Matthew Goode é, mesmo assim, quem melhor consegue disfarçar. Tem boa presença, carisma e aquela altivez cativante dos melhores adversários. Sem muito espaço, mas bem. Todos os outros são sombras e, quanto a isso, destaco com pesar o desaproveitamento de Charles Dance e Mark Strong. Keira Knightley, por fim, é de uma inocuidade total. Já há uns bons anos afastada da alta roda, voltou a ter oportunidade num filme com ambições, mas desperdiçou-a. É completamente unidimensional. Não tem uma única grande cena e toda a sua presença é ligeira e boçal, como quem só lá está para decorar. Uma pena.

The Imitation Game tem acumulado um sem número de nomeações. Nos Globos, por exemplo, corre para Melhor Drama, Argumentista, Actor e Actriz... o que só o torna num dos filmes mais gravemente sobrevalorizados do ano. Na realidade, é apenas razoável. Tem estatuto, Cumberbatch e o mérito alheio de ser verídico. Fora isso, é uma das desilusões de 2014.

6.5/10

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