quarta-feira, 4 de junho de 2014

Mundial 2014, antevisão: a Era de Castela e a profecia do Hexa


É oficial: já só cheira a Brasil. A temporada está enterrada e Junho veio para ficar. É finalmente a hora do planeta futebol respeitar o seu quadriénio sagrado e prestar-se ao maior de todos os seus espectáculos: a Copa do Mundo. Copa, mais do que nunca, por derramar-se durante o tão aguardado próximo mês no coração do futebol. Porque se a Inglaterra inventou o jogo, só no Brasil é que ele ficou a cores. Todos sabemos o que vai custar este Campeonato do Mundo e ninguém, em consciência, o poderá menosprezar. Mas, honestamente, não me podem pedir para não ser apaixonado a respeito dum Mundial como este, porque não sei se algum dia farão outro onde se sonhasse mais estar. Durante um mês, o Brasil será invadido por legiões dos quatro cantos do mundo. De Manaus ao Rio, de Fortaleza ao Mato Grosso, de Salvador da Baía a Porto Alegre, este será o Mundial do futebol tropical, sempre com um sorriso nos lábios, com o sol nas costas, mulheres bonitas, noites longas e um copo na mão. O Brasil será o lugar onde qualquer um queria estar, a jornada que qualquer um quereria viver. Um Mundial azul e amarelo tem mais magia do que um que pudéssemos inventar.


O primeiro texto de antevisão é sobre os Favoritos, assim, com letra grande. E se nos condenarmos a pensar neles, o que nos sobressai é a dualidade de uma guerra dos tronos. À partida, se tens um Campeão do Mundo em título, que por acaso também é bicampeão europeu, pelo menos uma candidatura já se entregou sozinha. De facto, ninguém no seu juízo estará em condições de afastar a Espanha seja do que for. Há já incríveis 6 anos que a Roja não tem adversário à altura, e a História continua a escrever-se até este verdadeiro momento. A profusão de resultados nunca abrandou e o plantel continua a oferecer um insultuoso manancial de soluções. A Espanha tem tudo: o génio, o calejamento e a moral. É, sem sombra de dúvida, o adversário mais temível que irá pisar os gramados canarinhos. Paradoxalmente, não a sanciono bicampeã.

Este é um ponto de vista sobejamente discutível, mas não há bem que sempre dure, nem mal que nunca acabe. A verdade é que, nos últimos três anos, o tiki-taka provou o antídoto. Era inevitável que, um dia, os adversários perdessem o respeito, que ousassem pôr tudo em causa. Não sendo liminar decalcar o futebol de clubes e o de selecções, certo é que aconteceu muita coisa ao Barça, e o Barça sempre foi a madre espiritual de toda a peregrinação. Depois, que a Espanha já tenha ganho tudo, e um pouco mais do que isso, é tanto a sua benção como a sua maldição. Ninguém se pode fartar de ganhar e para nenhum dos seus ases a Copa será remotamente indiferente; mas as vitórias acumuladas são, não raras vezes, abissais. No caso da Espanha, tudo isto parece, hoje, uma maratona única, que correu tão, mas tão bem, que, na verdade, continua a viagem para lá da própria meta. O mais razoável é que me arrependa de escrever isto, mas vejo a Espanha como a Selecção que vai ao Brasil para perder. Para levar o golpe de misericórdia, para livrar-se do fardo, para passar formalmente um testemunho.


As minhas fichas, como é bom de ver, estão do outro lado, mesmo que isso não seja de todo racional. Há mero ano e meio, o Brasil estava em pânico. Tudo começara na Argentina, em 2011. Foi nessa Copa América que a muito velada renovação geracional de Mano Menezes provou a sua fatalidade, despenhando-se nos quartos-de-final, com uma vitória em quatro jogos. O que nasce torto, tarde ou nunca se endireita: o harakiri chegaria em pleno Wembley, no ano seguinte. Com parte substancial do elenco juvenil sonhado para a própria Copa, foi a vez de perder-se com estrondo a final olímpica para o México, e de estalarem, então, os alarmes e todos os tormentos. No lado mau da ampulheta, Mano chegara ao fim do caminho, sem qualquer capital político e com uma equipa que, a olho nu, não era mais do que um bando de miúdos de parca identidade e terrivelmente mais pequenos do que o desígnio que a Nação inteira lhes exigia no horizonte. Hoje, na iminência do primeiro pontapé em São Paulo, ninguém ousa pensar o mesmo.

Por mais tortuosos que tenham sido os caminhos, este é o Brasil que Felipão limou para a guerra, que, contra as expectativas e contra o tempo, não só concluiu a recruta, como se graduou com excelência, Taça das Confederações incluída. Se formos matemáticos a respeito disto, dizer que o Brasil é favorito sobre a Espanha continua a parecer, na verdade, ridículo. Estamos a falar de uma equipa incomparavelmente menos experiente, menos testada, e que não pode reclamar ser, sequer, mais talentosa. O Brasil perde para a Espanha em toda e qualquer conta. O futebol, contudo, não é estatística. E, se é alguma coisa, este é o Mundial com que o Brasil sonha há anos a fio, o conto encantado do pentacampeão que se desencontrou há mais de uma década, só para ter descoberto o seu novo prodígio, Neymar, Neymaravilha, um predestinado protegido a todo o custo na pureza do Brasileirão, e que estagiou o último ano numa Meca do jogo, só a tempo de liderar uma selecção ao seu destino, rumo ao deslumbramento do mundo e à vingança do Maracanazo, meio século depois.

Seja sob que ângulo for, surpreendente é que, a 13 de Julho, o português e o castelhano não sejam as línguas oficiais no Rio. Mas se há Mundial em que tudo pode acontecer, é 2014. Em nenhum outro momento, o perfume inebriante no ar pode enganar gigantes e emergir heróis, perverter probabilidades e fazer conquistadores da terra prometida. No Brasil, todas as expectativas são legítimas, todos os sonhos realizáveis. Que seja singularmente espectacular é só o dado adquirido.

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