quinta-feira, 19 de junho de 2014

Copa, dia 7: oficiais e cavalheiros

 

Austrália 2-3 Holanda

Um gajo às vezes questiona-se do saudável que é andar a ver compulsivamente três jogos por dia mas, graças ao Redentor, tem havido no Brasil sempre uma Austrália para provar que estamos certos. A segunda semana começou como acabou a primeira: com mais uma maravilha de espectáculo, talento, carácter, emoção e duas reviravoltas. No fim, vingou a lei do mais forte e começaram a separar-se as águas mas, mesmo que saiam do Brasil sem um único ponto, os socceroos já provaram o mais importante: que quando se quer jogar, não interessam as limitações; que quando se quer jogar, merece-se sempre lá estar.

O que aconteceu na primeira hora de jogo será unanimemente atribuído à falta de agressividade e de concentração, e a uma certa sobranceria holandesa, derivada do estapafúrdio resultado inaugural. De facto, os holandeses não tiveram metade da electricidade da estreia e isso valeu-lhes um jogo nas covas, a grande distância do anterior, mas a questão não se resume a esse problema de atitude. A verdade é que a Laranja não é uma equipa suficientemente intensa em posse, sendo, antes de qualquer outra coisa, reactiva. Para além disso, por maior que seja a qualidade ofensiva, o 5-1 à Espanha não emenda por magia o rácio mais discutível das outras posições. Contra uma Austrália muito rija, muito bem organizada e muita disposta, a equipa de Van Gaal não pôde contra-atacar, como tanto gosta, tendo em vez de assumir o jogo. O que isso lhe custou ficou patente e é uma dica importante para os futuros adversários. A Holanda pressiona pouco e vegeta num ritmo mais baixo de jogo. A sua sorte transformar-se-ia por uma ironia do destino. Em cima do intervalo, Cahill lesionou Indi, Van Gaal teve de abdicar do sistema - passou de 3-5-2 para 4-3-3 -, e a potência de Depay na ala esquerda veio a revelar-se determinante. No resto, toda a gente sabe o que aqueles avançados fazem num dia normal.

A Austrália é das equipas pelas quais mais estima vou ter sentido no Brasil. O nível individual é tão baixo que é perfeitamente incrível o que os aussies fizeram suar Chile e Holanda, que, a nível de talento, pertencem ambos a outro sistema solar. Arrumada num simpático 4-2-3-1, a equipa de Ange Postecoglou faz-se valer de um entusiasmo inatacável para render em todos os minutos de jogo, a defender, onde tem de fazer das tripas coração, e a atacar, onde tem... Cahill. Ali só mora verdadeiramente um craque: aos 34 anos, o eterno Tim despediu-se hoje do futebol internacional com aquele chutão de outro mundo e esse dvd será para sempre a modesta homenagem à imensidão de carácter que os australianos emprestaram aos gramados brasileiros. Não estava sinceramente à espera de tamanha demonstração, mas só é um choque para quem não viu o jogo com o Chile. Então, como agora, os australianos discutiram o jogo como gente grande e, durante longos e ingratos minutos, dedicaram-se a espreitar o golo do caos... mas não estava escrito. Resta recordar todo o carácter e reviver aqueles cinco minutos de euforia global, depois do penalty de Jedinak, neste que também é o Mundial da terceira Revolução Tecnológica, do imediatismo e dos memes.

HOLANDA - Robben e Van Persie, pelo óbvio que é não pararem de marcar. Van Gaal pode ter inventado no Brasil uma dupla histórica. Com 20 anos ainda frescos, Memphis Depay, extremo do PSV, foi o trunfo da equipa. Só ao transformar o sistema que tão espectacular conta de si dera na estreia é que a Holanda levou a melhor. Por outro lado, o jogo deficitário do miolo deve preocupar Van Gaal.

AUSTRÁLIA - No Brasil, para poucos jogadores significaria tanto dizer que estiveram à altura das circunstâncias. No último jogo internacional da carreira, e depois de já ter ferido o Chile, Tim Cahill marcou um top10 do Mundial. É o único australiano a ter marcado em três Campeonatos do Mundo e são dele, aliás, metade de todos os golos do país em fases finais. Uma lenda. Outro dos antigos, Mark Bresciano foi importante enquanto esteve em campo, nas costas do avançado. A maior revelação do dia foi, porém, Mathew Leckie. O extremo-direito de 23 anos, que anda pela segunda divisão alemã, demonstrou rins, passada e autoridade no flanco e foi a maior quebra no casco laranja, o municiador por excelência do ataque.

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