segunda-feira, 23 de junho de 2014

Copa, dia 11: só o talento pode perverter a lógica


Bélgica 1-0 Rússia

Ter pena de uma equipa de Capello, eis mais um conto para os anais deste Campeonato do Mundo. Num jogo terrivelmente tépido, a abordagem do italiano foi tão boa como seria possível. Consciente do que os diabos vermelhos podiam fazer em qualquer instante, a Rússia começou por ocupar-se muito bem atrás - sem autocarro, com redobrada competência - e soube sempre sair, acabando por controlar o jogo todo e ter as melhores oportunidades em 80 minutos. A Bélgica, por seu lado, limitou-se a ser estremunhada... mas sabemos que se pode dar a luxos reservados a muito poucos. Os flamengos acordaram expressamente para a recta final e, mais uma vez graças ao seu insultuoso talento, ganharam o jogo contra as cordas.

As estreias merecem ser relevadas, as confirmações não. A nível individual, é provável que a Bélgica mereça realmente o estatuto de 5º favorito das apostas; a nível colectivo, as limitações do onze de Wilmots já são hoje evidentes e denunciam que a esperança de vida não vá possivelmente tão longe assim. Dando sequência à boa reacção do primeiro jogo, o seleccionador belga promoveu três alterações aos titulares, com destaque para Fellaini e Mertens, ambos decisivos frente à Argélia. Pela frente estaria o adversário mais credenciado do grupo, mas a equipa já tinha o calo, agora só tinha de valer o bilhete. Uma vez mais, não valeu. Durante a eternidade do jogo, os diabos foram um conjunto errante, assente nos fogachos isolados dos seus fantasistas, um onze incapaz de mandar na partida, porque nem sabia ao certo o que queria dela. Fellaini entrou como duplo pivot, quando é muito mais efectivo junto do avançado; De Bruyne, que é tão vertical, mora a #10, quando parece muito mais um extremo; Lukaku ainda nem chegou ao Brasil. A Bélgica dispensa talento, mas é incontornável o tempo que passa à espera que as peças se limitem a cair magicamente nos sítios certos. Funcionou ontem, mais uma vez, mas a violência das eliminatórias é todo um outro campeonato. Um que dificilmente admite que se joguem aos dados.

Há equipas que fazem treinadores, há treinadores que fazem equipas. A segunda premissa é a Rússia. De facto, dificilmente se vislumbra talento aparente no onze da terra dos czares. O mérito russo é todo ele estratégico, na maneira como a equipa se coloca, lê e avalia o jogo, e tenta tirar partido dele. Depois do frango colossal que custou dois pontos na estreia, um golo em cima da hora foi de uma ingratidão inenarrável. Mesmo assim, ganhar à Argélia será suficiente. Ainda que os magrebinos estejam a dar boa conta de si, compadeço-me sempre da transcendência inerente ao trabalho de um grande treinador. Capello é bom que chegue para fazer acontecer até a estrelinha que ainda não teve.

BÉLGICA - Talento que nunca mais acaba. Impressionante. Mais uma vez, Hazzard no lance que tudo decidiu, ontem com uma jogada perfeitamente extraordinária, a fazer o que um plano inteiro não tinha conseguido. Na sombra de uma equipa que tem sido bem menos total do que se contava, o pequeno génio do Chelsea passa muitos minutos na solitária; ainda assim, podem crer que, se houver um lugar ao sol, ele guia-os até lá. Origi foi de provável não convocado, até à lesão de Benteke, a provável titular, dado o ocaso de Lukaku. O esguio avançado do Lille, 19 anos, foi uma pedrada no charco da equipa pela segunda vez e, desta, marcou mesmo o golo de ouro. Finalmente, porque é normal esquecermo-nos dele, Kompany. A Bélgica vai tendo muito que se lhe diga, mas se sofre de menos, deve-o necessariamente ao melhor central do mundo.

RÚSSIA - Destaques individuais são relativamente redundantes, numa equipa tão competente como a verdadeira acepção da palavra. Salientaria o bom meio-campo: Shatov, nas costas do avançado, tem escola, é objectivo e revela sempre discernimento; Fayzulin, o homem dos equilíbrios, tem pés agradáveis para a posição e muita compostura; Glushakov, a espécie de box-to-box, é efectivamente disponível e está confortável até nos flancos.

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