quarta-feira, 25 de junho de 2014

Amanhã


Amanhã há muitas coisas que não dependem de nós. Sermos muito melhores do que até agora é só a parte fácil. Precisamos de uma abusiva ajuda adversária e precisávamos, tanto pior, que os rivais directos, que tão mais capazes têm sido, decidissem, logo amanhã, deitar tudo a perder. O milagre do apuramento não é mais do que uma linha de equilibrismo impossível, em que a maior das fés se presta a deixar engolir pelo abismo da razão. Amanhã há muitas coisas que não dependem de nós, salvo a mais importante: escolhermos como é que queremos sair.

Amanhã é um dia para ganhar. Por uma vez, não porque nos vai levar em frente, não porque há uma História a fazer, mas porque precisamos de nos dar a esse respeito. Porque, mesmo se tudo acabar mal, deve acabar nos nossos termos. Aceito qualquer derrota, mas não aceito qualquer eliminação. Nunca fui jogador, mas não há nada que me confunda mais do que estar lá e não querer saber. Como é que é possível entrar na relva e ser alguma vez indiferente? Quem não joga para ganhar, não é mau profissional, é mau na vida. Se estar no Campeonato do Mundo com o escudo ao peito não for um argumento suficiente, espero que eles ao menos percebam o quanto são pequenos em relação ao resto. O país mais antigo da Europa joga no Brasil apenas o seu sexto Mundial. Gerações de enormes futebolistas, tantos tão maiores do que eles que lá estão, teriam morto pela chance deste Portugal-Gana, fossem quais fossem as circunstâncias. Lembrem-se que parte dos que ali estão não voltará a pisar um Mundial. Lembrem-se que, um dia, quando forem velhos e não vos sobrar mais nada, nem umas férias nem um salário para voltar, não vão querer olhar para trás e envergonharem-se da oportunidade que tiveram a sorte de ter. Representar o país não é vosso mérito; é vosso privilégio. Se vos faltar a vontade, lembrem-se que ela também não nos interessa para nada e tenham a hombridade de correr por todos quantos, no fundo do poço das probabilidades, vão vestir o verde e o vermelho e sofrer até que não haja milagre que nos valha, por todos quantos dariam tudo para lá estar no campo, a poder, ao menos, perder como homens.

Amanhã é um dia para não ser arrogante. Errámos muito, provavelmente para lá da salvação, mas não temos de errar até ao fim. Nunca é tarde para admitir e, fazê-lo, é a maior de todas as provas de dignidade. Consigo respeitar um treinador que quer ganhar com as suas ideias, jamais alguém que prefere perder em vez de mudá-las. Qualquer miúdo de 12 anos já fez o diagnóstico da Selecção. Não temos balanço, uma ideia, nem nada treinado. Não temos capacidade física, nem temos Ronaldo apto. É preciso lucidez para reparar o sistema, coragem para afastar os consagrados. Neste momento, Bruno Alves, Meireles, Veloso, até Moutinho, não têm condições de jogar. É preciso recorrer a quem tenha algo para dar a nível técnico, físico, táctico (Neto, William, Amorim, William, Varela, William, William, William). Se Ronaldo não pode defender, se nem é útil que defenda, requisitem uns vídeos do que Ancelotti inventou no Real. Não é física quântica.

Beto, João Pereira, Pepe, Neto, André Almeida, Nani, William, Amorim, Varela, Ronaldo, Éder. Um 4-4-2 nem sequer porque precisamos de muitos golos, que tem muitas mudanças, mas não porque precisamos de uma lição. Simplesmente porque esse guião e esses actores são aquilo que mais genuinamente nos pode servir agora. Que Paulo Bento, cujo trabalho sempre zelei, perceba que isto não tem de ser uma exibição marcial de lealdade, um hara-kiri irredutível, cuja grandeza só existe na sua própria cabeça. Pode não haver qualificação, mas que haja redenção. O seu serviço não está à cartilha de nomes que elegeu, mas àqueles que sempre respeitaram o seu trabalho. E esses merecem mais.

Amanhã é um dia para saber ganhar mas, sobretudo, para saber perder. Se houver milagre, pois que estejam à altura da transcendência que o tornou possível; decerto que os problemas não terão desaparecido por magia. E não queiram ser vingadores de conferências de imprensa, como se estivessem sozinhos contra o mundo. Mas se cairmos, por pior que seja, tenham respeito, por vocês e por nós. Não lavem roupa suja, não cacem bruxas, não ponham tudo em causa. Nem na derrota temos de ser um bando de perdedores. O eterno Sócrates, pai espiritual do Brasil-82, a melhor selecção que já jogou, disse uma vez que ser campeão é detalhe. Mostrem que jamais iremos embora sem uma luta e, se isto for o fim do ciclo, lembrem-nos porque é que vale a pena ter orgulho nele. Amanhã, no fundo, é tudo muito mais importante do que ganhar ou perder.

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