segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Rush. A excelência de uma crónica supera sempre o seu assunto


Mais do que acção cativante, consistente ou bem feita é, acima de tudo, um tributo. Primeiro, ao dramatismo verdadeiramente cinematográfico que eternizou o Mundial de Fórmula 1 de 1976, depois, e mais importante do que isso, à rivalidade icónica entre dois homens que marcou de forma tão profunda essa década. Rush é um autêntico desportivo de luxo, muito fácil de interessar e naturalmente popular, cuja capacidade para contar a sua história o tornou, de facto, num dos maiores produtos do ano, só idioticamente desterrado pelos Óscares.

James Hunt vs. Niki Lauda. Um incorrigível playboy inglês apaixonado pela vida e por tudo de bom que ela tem para dar, carismático, talentoso, com um carácter que o tornava único na pista. Do outro lado das boxes, um austríaco quase matemático, disciplinado em cada gesto, maquinalmente racional em cada opção, devoto à excelência em cada pormenor e obstinado com a glória. Uma rivalidade que começou pela base, nos confins da Fórmula 3, e que os levou ao topo do mundo, desafiando-se um ao outro de forma extraordinária e, com isso, todos os seus limites. Os que conhecem a história não poderão negligenciar o nível do revivalismo; os que, como eu, não desconfiavam de cada bocado do que ela envolve, jamais ficarão indiferentes. Trabalho brilhante de Peter Morgan no guião, mais um, ele que já assinou, entre outros, Frost/Nixon ou The Damn United.

Narrado por Lauda, o argumento gere de forma notável a profundidade dos personagens, emprestando densidade ao mais agreste e ligeireza ao mais simbólico, num equilíbrio que acaba por fundir-se às mil maravilhas. Com a acção e a corrida omnipresentes, a natureza do filme não é reflexiva, mas este consegue ser surpreendentemente atraente nesse campo, nas linhas fortes e na moldagem contínua dos protagonistas. E tem um mérito que, pessoalmente, ponho sempre nos píncaros: ter um fim de ouro que, em vez de se desvanecer, eleva tudo um degrau acima. A realização de Ron Howard - responsável por alguns dos meus filmes preferidos de sempre (Cinderella Man, A Beautiful Mind) - é de alto calibre, e sem ter de se evidenciar muito dá ao filme tudo o que ele precisa para fluir. É irrepreensível nas sequências de velocidade, agressiva nos momentos susceptíveis e tem uma lente sempre chamativa, muito experimentada, com que nos identificamos sem esforço.

Não simpatizo com Chris Hemsworth e ainda não foi desta que ele me surpreendeu. É facto que a sua personagem tinha traços propositadamente leves, que lhe condicionavam alguma coisa para efeitos da história, mas a figura era fácil de agarrar e de cativar. Hemsworth não está mal enquanto poster boy, como bom-vivant sempre com duas linhas espertas para dizer, mas há nele qualquer coisa de plástico a que é impossível escapar. Não é no personagem, é nele mesmo. Apesar de não ter vitimado o filme, um actor um pouco mais capaz teria facilmente feito melhor. Já Daniel Brühl faz valer plenamente o alcance do seu Lauda. Não é o homem frio que se reinventa e que, com o decorrer do filme, se passa a acarinhar. É o que se aprende, isso sim, a respeitar absolutamente, numa jornada excepcional de fazer. Compreendemos o seu primado do pragmatismo, admiramos a sua excelência competitiva e, mais do que qualquer outra coisa, o seu desígnio. Brühl tem e capitaliza um papel riquíssimo, e é outro dos esquecimentos mais ingratos da Academia.

Rush é um filme do qual é inevitável gostar. É muito fácil de seguir e de apreciar, e compõe-se com naturalidade, até darmos por ele e percebermos o quanto é um grande filme. Um obrigatório de 2013, para os fãs da modalidade e para todos quantos saibam reconhecer a excelência de uma crónica quando a vêem.

8/10

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