quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

O problema não és tu, sou eu


O Benfica acabou a Liga dos Campeões a fazer frente a uma das melhores equipas europeias da actualidade, tal como no ano passado. A última imagem é a que fica e, dê por onde der, encher o Camp Nou ou vergar um dos clubes da moda é coisa que qualquer adepto está sempre condenado a estimar e a ficar mais ou menos modestamente orgulhoso. A verdade, no entanto, costuma ser sempre mais agreste. Neste caso diz que, agora como então, PSG e Barcelona usaram suplentes, o que não vale a pena branquear. Vários jogadores de classe mundial, claro que sim, mas espinhas de reservas em equipas com a comodidade de uma qualificação já garantida. Até parto por princípio que é ingrato menosprezar qualquer vitória nos Campeões; facto é que no fim, agora como então, o Benfica também não soube fazer mais do que a fase de grupos.

Jesus é respeitado por ter devolvido a dimensão europeia ao clube e esse é um reconhecimento que ninguém lhe poderá tirar. Em cinco anos, cumpriu a proeza de ser o treinador benfiquista com mais vitórias continentais. Fez sempre o mínimo de uns quartos-de-final e devolveu o emblema a uma final europeia, mais de duas décadas depois. Tem de falar por ele... e, mesmo assim, é impossível relevar que, nos últimos quatro anos, o Benfica tenha saído três vezes do maior dos palcos pela porta dos fundos. Pior do que isso, eliminado por Schalke, Lyon e, particularmente, por Celtic e Olympiakos. Já aqui elogiei Jorge Jesus várias vezes, por bem mais do que a sua aura europeia. Ao ano cinco, porém, é de palmatória constatar que uns oitavos de Champions dão mais prestígio (e dinheiro) do que quase tudo na 'outra' competição. Para qualquer equipa que invista o que o Benfica investe e que tenha os recursos humanos que o Benfica tem (e parte deles apenas existem por mérito directo do treinador) só é possível querer jogar numa e em mais nenhuma prova. Ao ano cinco, e por injusto que isso possa soar, sair de cabeça erguida contra os suplentes dos maiores, soçobrar perante equipas grosseiramente alcançáveis e fazer boa figura na competição da qual ninguém quer saber, é pouco e não é suficiente.

Na antecâmara da fase decisiva do ano passado, escrevi que o Benfica tinha um dos 20 melhores treinadores da Europa e que devia considerar isso profundamente, caso a tripleta de sonho se tornasse num pesadelo. O pesadelo, no entanto, foi muito maior do que alguma vez pude conceber, eu ou um qualquer benfiquista. Ver a forma errante como a equipa tem perpassado pela nova época como que confirma que há mortes das quais não se ressuscita. No pontapé paranormal de Kelvin e na cabeçada assombrada de Ivanovic, mais do que os troféus, jazeu o legado de Jesus no Benfica. Ao qual a História fará jus, acredito, mas de cuja travessia no deserto já não parece poder haver regresso.

Jesus é o treinador de maior longevidade da liga. Não perdeu nenhum titular e desfruta do melhor plantel do país (mesmo que esse tenha sido estupidamente planeado). Não é preciso quantificar o vazio cru que é o onze aparecer desde o primeiro dia afligido de todas as mortandades do mundo, perdido ao sabor da fortuna e incapaz de produzir um décimo do futebol de veludo de outros tempos. O campeonato está para qualquer coisa e, honra lhe seja feita, o histórico prova que a Liga Europa é uma taça para escalar. Nenhum benfiquista deixará de suspeitar, no entanto, que perante a vitalidade do Sporting e a estrutura do Porto, há mais uma pequena tragédia a fazer-lhe uma espera no fim do caminho.

Ironicamente por mérito do próprio Jesus, estar na luta e perder de cabeça erguida é o tipo de crise existencial que, ao fim de tantos anos de grandes expectativas e de maiores frustrações, já não pode voltar a encher barrigas. Woody Allen escreveu que as relações são como os tubarões: ou andam constantemente para a frente ou morrem. As carreiras também são assim. Hoje, Jesus é o criador na iminência de ser engolido pela excelência da sua própria criação, porque não a conseguiu acompanhar, porque agora é ele quem atrofia o seu crescimento. O seu Benfica é aquele que se perdeu no caminho e que ficou à margem do que poderia ter sido. É o Benfica que já não chega, tal como Jesus já não chega ao Benfica.

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