sábado, 12 de outubro de 2013

The Great Gatsby. Os grandes filmes acontecem quando menos se espera


Esteve nas minhas listas de mais esperados nos últimos dois anos, pela magnitude da obra e pelo elenco fantástico, mas, por algum tipo de preconceito à filmografia de Baz Luhrmann, atestada pelas linhas dos trailers e pela crítica em geral, já não estava verdadeiramente à espera de um grande filme. A questão era ver se tinha, pelo menos, salvo o essencial ou se se limitara, pelo contrário, a ser um desastre criativo qualquer. Nada mais errado. Do alto da sua profunda inortodoxia, The Great Gatsby é um dos maiores filmes de 2013.

Acima de tudo, é indispensável destacar, justamente, a realização de Baz Luhrmann. O que o australiano conseguiu acontece muito poucas vezes: um filme exposto de forma pouco convencional, com muita liberdade e pouca linearidade, abusivo a nível imagético, propositadamente exagerado... mas que, no fim da linha, se completa em todas essas dimensões e rende um produto excelente, de uma homogeneidade indiscutível. The Great Gatsby é um filme extraordinariamente gráfico, tantas vezes teatral e abertamente luxurioso. Especula imenso com o 3D e experimenta tudo, desde cores a cenários digitais e, até, a tipografia. Isso confere-lhe, contudo, um poder visual que é gigantesco. A majestade das suas maiores cenas, a cadência e a explosão ocular que provocam, sugam-nos para dentro delas e materializam, de uma forma espectacular, a época que retratam. Luhrman foi tão longe quanto possível na ambição das suas cenas e, ainda para mais, ganhou a aposta na aplicação ostensiva de música actual a todas elas (ao som de 'Young and Beautiful', de Lana del Rey, assina a grande cena do filme). O efeito é notável. Fora o brilho transversal, The Great Gatsby reúne, aliás, um punhado impressionante de sequências que tudo isso fundem.

A história de Scott Fitzgerald, que já tive oportunidade de ler, é grandiosa e intemporal. O drama do milionário icónico e misterioso que abala as fundações de uma cidade mundial tão só para fazer contas com o passado e resgatar a mulher da sua vida, e as ironias, as desventuras e a crueza da sua jornada, numa época tão gloriosamente mítica como os Loucos Anos 20, é co-adaptada pelo próprio Luhrmann de uma maneira irrepreensível. A narrativa foi muito bem desconstruída, fizeram-se bons ajustes de pormenor, fez-se contexto, a narração ficou muito bem e, em particular, num filme que é extremamente intenso e rápido, conseguiu-se preservar toda a profundidade. Os momentos-chave concedem todo o tempo para que os possamos sorver e isso plasma a excelente leitura de quem os adaptou. O filme tem humanidade e tem intimidade, e todo o seu excepcional desenrolar não é minorado pela poderio das três dimensões.

No cast, é recorrente dizer isto... mas Di Caprio é sensacional. Metamorfiza-se ao longo de toda a acção e capta rigorosamente todas as luzes e sombras do grande Jay Gatsby, assim como Fitzgerald o terá concebido. Primeiro genuinamente fascinante, depois assombrado e até louco e, por fim, simplesmente puro, cândido, bom. Era impossível fazer melhor. Tobey Maguire está igualmente muito bem, num papel focal, mas muito mais simples do que glamouroso. A sua génese pacífica fica como imagem de marca, preenchendo-se, primeiro, pelas dúvidas e, depois, pela profunda devoção ao homem que aprendeu a admirar. Sendo ele o narrador, a amargura e o desalento que tem omnipresentes acabam por completá-lo numa densidade notável. Carey Mulligan está bem, pese poder ter estado ligeiramente mais forte. É a mulher doce e ingénua, que quer voltar e, ao mesmo tempo, escapar do seu passado, num papel que desenrola tão realista e cru quanto possível. Joel Edgerton, finalmente, não causa impacto de início, mas fortalece-se com o evoluir da acção e acaba por estar nos píncaros numa das cenas finais.

Gatsby teve uma recepção pouco unânime da crítica e consigo admitir que, possivelmente, não seja para todos os gostos. É certo, contudo, que quem o saiba apreciar, desfrutará de um poder cinematográfico - e isto vai do visual à dimensão da história, da banda sonora ao nível das interpretações - que não aparece por aí assim tantas vezes.

8/10

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