quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Gravity. A experiência cinematográfica do ano


Era, assumidamente, o primeiro grande filme dos Óscares e andara, por estes dias, nas bocas do mundo, a receber elogios massivos da crítica e a reunir, do público, um consenso fora do comum. A forma justa de o introduzir é dizer que Gravity vive à altura dessa reputação. Não sei se é o melhor filme do ano, mas o estatuto de mais espectacular evento cinematográfico de 2013 ninguém lhe tira.

Num monumental 3D, o seu poder visual é de cortar a respiração. Ao nível da recriação do espaço e dos efeitos especiais, Alfonso Cuáron realiza uma obra com que a esmagadora maioria dos directores apenas pode sonhar. A execução digital do universo profundo, as panorâmicas da Terra, a articulação com o Sol, as avenidas do espaço, a profusão dos acidentes e as digressões dos protagonistas no vazio esmagam-nos como se tivéssemos efectivamente o pescoço mergulhado naquele espaço sideral. A cinematografia incrível é de Emmanuel Lubezki, génio por detrás da perfeição de Tree of Life, e o luxo de envolvência que o filme proporciona consegue bater o que James Cameron alcançou em Avatar. Trabalho bestial de Cuáron, próprio da galeria de mestres, e que lhe estende, desde já, uma passadeira para a época dos prémios. Tudo ponteado com uma brilhante banda sonora, escrita e conduzida pelo britânico Steven Price.

Contudo, apesar de tamanho deslumbramento, seria um erro de palmatória reduzir Gravity ao seu espectáculo visual. O que Cuáron criou, ele que co-escreveu o argumento com o filho Jonás, é um glorioso thriller psicológico, que transforma, por hora e meia, a sala de cinema numa verdadeira câmara de pânico, fazendo-nos sentir a claustrofobia e a pulsação dos que estão dentro da tela, ao ponto de nos impingir uma agonia física. Dessa agressão permanente, o filme ainda comete a proeza de derivar para sequências verdadeiramente desconcertantes, que ilustram, de uma forma cândida, a fragilidade das pessoas, ao colocá-las, a nível emocional, tão pequenas como os seus corpos que vagueiam no vazio. A vulnerabilidade de ser pó no meio do vento, o instinto de sobrevivência, mesmo quando já não parece poder haver esperança, a solidão extrema e total, a vertigem de desistir e a forma como se sabe, ou não, agarrar a vida, dotam Gravity de uma humanidade verdadeiramente singular.

Sandra Bullock tem uma performance monstruosa que a atira, desde já, para a antecâmara do Óscar. É uma anti-heroína completa, a pessoa comum que subsiste, não por coragem, mas porque, contra todas as possibilidades e contra todas as motivações, decidiu que a sua única escolha era dobrar o medo e a sorte. As inúmeras vezes em que é posta a prova, a nível psicológico ou a nível físico, são sempre profundamente críveis, porque lhe parecem sempre sair da pele. Sofremos com ela e compreendemos o tamanho da sua provação, e isso é o mais alto a que uma interpretação pode chegar. Clooney, por seu lado, é um secundário importante, valioso, primeiro, por dar cor ao contexto, e, depois, por emprestar-lhe espírito, naquela que é, para mim, a mais notável sequência do filme, o momento em que ficam ambos suspensos no espaço, presos, apenas, por um cabo na perna de Bullock.

A única maneira possível de acabar uma crítica sobre Gravity é pedir que o vejam numa sala de cinema. Vão, sem pensar duas vezes. É que pagar bilhete para se deslumbrar é, definitivamente, uma das vezes em que vale a pena.

8.5/10

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