quinta-feira, 4 de julho de 2013

Os vencidos da vida


Disse Churchill uma vez que a Democracia é a pior forma de governo, à parte de todas as outras que já foram experimentadas. A Democracia não é boa, é, na verdade, menos má. Nesta semana, isso ter-nos-á passado pela cabeça a todos, de uma forma ou de outra. Como é que foi possível? Como é que está a ser possível? O país desbunda-se pela falésia, mas os nossos representantes eleitos vieram lembrar-nos do essencial: o barco afunda, mas eles não se podem afundar com o barco. Se o custo disso é um país, pois que seja. Nós é que perdemos, os últimos dois anos e a próxima década. Paciência. Ao menos o primeiro-ministro pode dizer que não abandonou o país. O parceiro de coligação pode lembrar que foi o bastião da coisa certa. O líder da oposição pode argumentar que não tem condições para trabalhar com a raiz de todos os males. E o presidente da república pode enunciar como é melhor do que eles todos e como tem, por isso, a altivez de não se envolver. O país é um incêndio que, por eles, podia arder para sempre. Eles estão lá para fazerem tudo o que podem, para serem melhores do que os outros e para não terem culpa. Jamais para se queimar.

A casa dos horrores dos últimos dias é um exemplo espectacular do nosso falhanço enquanto nação. Estar na pior crise do século com toda esta gloriosa pequenez, com esta podridão de espírito, diz tudo o que há para dizer sobre nós. Passos, Portas, Seguro, Cavaco, estão todos na máquina, com mais ou menos poder, há décadas. Foram sempre os mesmos, as carreiras paridas nos intestinos do sistema, para acabarem onde quiserem acabar, sem propósito, sem uma única boa razão de ser. Em sítio nenhum do mundo a política fez-se só de estadistas. O problema é nós não termos nenhum, há tanto, tanto tempo. Ninguém com a grandeza humilde de um sentido patriótico, nenhum exemplo, ninguém para admirar. Nenhuma inspiração. A política portuguesa é isto. É uma selva, uma lei do mais forte, orientada única e exclusivamente para a preservação pessoal. Nos nossos altos cargos, não há ninguém que lá esteja para servir a causa pública em vez de servir-se dela, ninguém disposto a perder qualquer coisa, ninguém que queira genuinamente fazer algo pelo país, à parte da sua auto-sobrevivência tão prosaicamente lusitana.

Isto não é um tratado sobre os políticos-bandidos, é muito maior do que isso. É um texto sobre pobreza de espírito, sobre vazio cívico, sobre a nossa derrota enquanto sociedade. Nós somos os mesmos vencidos da vida que éramos há 100 anos com o Eça. Nós desistimos do país, muito antes dele desistir de nós. Não falamos, não expomos as nossas ideias e não nos comprometemos, porque isso dá maçada e não interessa, isso é coisa para os outros fazerem por nós. O Estado é o inimigo externo e a política é para ficar às víboras, o que queremos é o conforto dissimulado do nosso canto. Se chegamos à maior crise económica do século, presenciamos esta tragédia pública e tudo o que temos para dar é um par de piadas e uma chateação balofa no facebook, se não nos indignamos, se não reflectimos alto, se não queremos saber, se não temos nada a acrescentar, não merecemos isto. Merecemos muito pior.

Se presenciamos uma aberração como a desta semana, e formos acefalamente preencher os boletins nas próximas eleições com cruzes no Passos, no Seguro e no Portas, então merecemos horror. Eles não são maus políticos, são os políticos que fizemos acontecer. São os políticos suficientes para o mau que nós fomos. Isto é o fundo. Se ainda não é desta que queremos saber, alguém que tenha misericórdia de nós, porque, depois do respeito próprio, já sobra muito pouco. Da próxima, eu não quero ter de votar em jotinhas parasitas a servirem de ex e actual primeiro-ministro. Eu não quero escolher um mercenário que há de vir bradar-se defensor dos pobres e dos desfavorecidos. Eu não quero considerar pseudo-esquerdistas que nunca vão ser solução para nada. Eu não quero ter de ver a figura esfíngica e escarrável do Cavaco a orar sobre a sua superioridade moral, enquanto padecemos todos à volta dele. Eu quero que as pessoas reais se cheguem à frente. As pessoas que já deram mais à sociedade do que se alimentaram dela, gente com seriedade, ideias e, sobretudo, com boa-vontade. Pessoas a sério, que não tenham nada a ganhar e que já estejam fartas de perder, pessoas que tenham a hombridade e a coragem de admitir que têm alguma coisa para dar, e que chegou a hora de o fazerem. Porque amanhã já vai ser tarde demais.

É impensável que o PSD macumbe uma alternativa ao Passos nos seus cozinhados gordurosos, que o PS se reúna à volta do vácuo existencial que é o Seguro ou que o CDS faça culto do líder, porque já ninguém, em perfeita consciência, pode tolerar o business as usual. Hoje perdemos 2,6 mil milhões de euros só porque estas aberrações andavam a brincar à política. Se ainda tivermos vergonha na cara, acabou. Da próxima, eu quero uma não-campanha, longe dos tumores e dos favores de sempre. Quero os poucos que valem a pena dos partidos e quero os independentes. Quero gente que acredite nalguma coisa e quero-me poder inspirar. À sua própria maneira, estes são tempos de opressão, de um sistema podre e de um modelo esgotado. Como numa velha rádio-pirata, esta é, pois, uma missiva para os bons que estão por aí: cheguem-se à frente. O país precisa de vós. A escumalha de sempre está-nos a levar a melhor, mas ainda podemos. Cheguem-se à frente, porque ainda há de nós dispostos a fazer parte de qualquer coisa.

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