segunda-feira, 24 de junho de 2013

The Cove (2009)


No Japão, caçar golfinhos é cultural. A História fez-se da caça de baleias, mas com esse comércio proibido internacionalmente desde o fim da década de 80, a prática teve de reinventar-se. Assim, pagaram os pequenos cetáceos: actualmente, são mortos 23 mil golfinhos no Japão todos os anos. Claro que a vertente financeira tem um papel, mas a verdade é que o consumo da sua carne nem está imiscuído na cultura do país, sendo esta, muitas vezes, não mais do que vendida fraudulentamente como se fosse de baleia. Matar golfinhos é, acima de tudo, uma tradição da qual determinadas regiões-chave não estão, pura e simplesmente, dispostas a abdicar, como numa variante ainda mais sanguinária das tourada de morte da Europa do Sul. Neste caso, não está em causa o espectáculo, mas a prática ancestral de caça "a uma peste". Matar golfinhos é um fim em si mesmo.

Daí emergem duas questões realmente devastadoras: mais do que abatidos, os golfinhos são verdadeiramente chacinados à moda antiga, numa prática que as autoridades do país tentam branquear em todos os fóruns internacionais; depois, há um problema muito delicado com a sua carne: em virtude dos hábitos alimentícios da própria espécie, esta revela níveis de mercúrio que ameaçam seriamente a saúde pública, e que podem conduzir a um envenenamento real a médio-prazo, coisa que o governo desvaloriza como imprecisa.

O inferno tem um nome - a cidade de Taiji, no Sul do país -, mas não tinha uma cara. É que a orografia da região permitia que a matança fosse feita bem longe dos olhos do público, atestando a tal versão oficial que falava de técnicas de morte controladas. The Cove é, pois, não menos do que um trabalho de espionagem, levado a cabo pela congregação de vontades de diferentes activistas, com o propósito de mostrar ao mundo o banho de sangue. O carismático Ric O' Barry, um antigo treinador de golfinhos "que trabalhou 10 anos a fundar a indústria, e os outros 35 a tentar destruí-la", é o símbolo, sendo Louie Psihoyos, o realizador e fundador da Sociedade de Preservação Oceânica, a força motriz. A terem de lidar com intimidação aberta, instigação ao ódio e perseguições da polícia local, a equipa teve engenho para entrar na área restrita e documentar com detalhe o que lá acontece. O impacto do resultado é o que se imagina.

The Cove - vencedor de Óscar há dois anos - é mais um retrato poderoso sobre a linha que separa a tradição da crueldade para com os animais, uma grande reportagem por excelência, feita por gente apaixonada e comprometida, e que nos consegue sensibilizar.

7/10

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