sexta-feira, 7 de junho de 2013

Aimar


Foi o mais genial de todos os que vi jogar em Portugal. Não ganhou campeonatos sozinho e, polarizado símbolo de benfiquismo, como é natural, os rivais sempre lhe gozaram as lesões, e a incapacidade crónica para estar presente. No fim, porém, não acredito que ninguém que goste de futebol possa dizer, em consciência, que lhe ficou indiferente.

Este é o tempo dos números. É o futebol de super-heróis como Ronaldo e Messi, como Bale, Falcão ou Van Persie. 70 jogos, 70 golos, as pop-stars desafiam os limites, dobram as probabilidades, escandalizam as estatísticas. Hoje, para se ser ídolo, é preciso ter uma ficha de extraterrestre. Vive-se tudo muito rápido, muito em grande e ao mesmo tempo. Mais do que ver futebol, vê-se um contra-relógio de golos e perdidas, de vitórias e derrotas. Aimar, como é evidente, é um jogador de outra Era. De uma em que, muito antes de ganhar e perder, tudo se resumia a jogar a bola.

Dos derradeiros Trequartistas, El Mago materializava, ele próprio, toda uma concepção de jogo: a de que a única maneira de estar em campo era desfrutar de cada toque, perder tempo com a bola, antes de, com uma técnica tão absurda quanto a sua inteligência, levá-la a chegar ao seu sítio ideal. Não era fazer malabarismos e soltar com critério; era usar o talento para, com toda a classe do mundo, inventar sempre a melhor solução possível. A correr com a bola languidamente, um compasso abaixo dos outros, com a solenidade de quem sabe tudo o que ela precisa, Aimar desconstruía o jogo até à sua dimensão mais filosófica, àquela onde só se movem os que vêem mais, os que nasceram para criar. Melhorava decisivamente toda e qualquer jogada para a qual o convocassem, e isso é ser sempre o melhor em campo. Era magia. Até à eternidade, continuará a descer o último terço de um relvado qualquer, com a bola a beijar-lhe o pé e um candeeiro a segurar-se na mão, sempre à procura do homem certo, qual Diógenes, com o resto dos mortais à sua volta a correrem mais rápido, e a pensarem mais devagar.

Vi os milhões de golos de Jardel e Liedson, a bestialidade de Hulk, as épocas idílicas de João Pinto, Simão ou Quaresma, e a elegância de Deco. Todos jogaram e ganharam mais do que ele. O especial de Aimar, no entanto, é que o seu futebol era uma forma de arte: não se media. Era tão irregular quanto carismático, tão falível quanto predestinado. Ver a bola nas suas botas foi, não raras vezes, mais espectacular do que os melhores golos, e isso é o jogo maior do que qualquer resultado e do que qualquer clube.

Como adversário que fui, fico contente de poder dizer isto: a honra foi nossa, Mago.

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