quarta-feira, 8 de maio de 2013

Pai para sempre


Nem as lendas têm de estar à altura da sua reputação na primeira vez que as virmos. Ele, claro, esteve. Eu tinha 8 anos, era o dia 26 de Maio de 1999 e o Camp Nou estava a brilhar num fim de tarde de sol, quando Mario Basler deu a entender que o Bayern ia ganhar aquela Liga dos Campeões. Há coisas que louvamos quando as vivemos, mas cuja dimensão só entendemos verdadeiramente mais tarde. Ter começado a ver finais europeias nesse dia é um daqueles acertos sagrados para agradecer por todos os tempos.

Ao minuto 90 redondo, Munique abria bidões de cerveja a comemorar com certeza, quando o eterno Teddy Sheringham encravou uma final que já estava mais do que perdida. O impacto da Taça esvair-se para o prolongamento entre os dedos, ainda percebi. Já o efeito do 'Baby Face Killer' Solskjaer tê-la feito mudar de dono, num minuto de descontos que durou mais do que algumas vidas inteiras, foi só coisa para estarrecer um miúdo à frente da televisão. Foi esse o dia em que um feiticeiro escocês de sorriso desconcertante me ensinou que o jogo, não raras vezes, é bem maior do que podemos compreender.

Há treinadores que admiramos pelos títulos. Outros pela filosofia. Dele, o que vou guardar para sempre é a devoção pelo jogo. Tudo o que as câmaras lhe eternizaram naquele metro quadrado de tijoleira do Teatro dos Sonhos. As explosões nos golos, a agonia nos falhanços, o ar gozão no bom futebol e o sanguinismo nos erros do árbitro. A mão na cabeça a ser apanhado de surpresa, o riso esmagador a fazer um cheque-mate ao adversário e os olhos turvos quando um dos seus miúdos entrava e ia brilhar pelas próprias pernas.

Com Fergie, não havia bluff, não havia distância, nunca houve. Só se podia viver os 90 minutos de uma maneira, como um rapazinho que está a começar a jogar na rua. Se o futebol mundial do último quarto de século teve algo de puro, foi ele. No maior clube do mundo e na era mais impessoal de sempre, foi ele a antítese do negócio, do cinismo, do cinzentismo. Foi ele o portal para a essência do jogo, o mentor que esteve sempre lá a lembrar-nos do que era verdadeiramente importante: subir à relva em cada tarde, desfrutar, entusiasmar-se e ser feliz. Aprenderíamos mais a olhar para ele num dia normal, do que a saber todos os passos da carreira de um táctico qualquer. Acima de tudo o que ganhou, a maneira como viveu futebol é o que o distingue de todos os outros, e o que o perpetuará no ideário, na unanimidade e no coração das pessoas.

Dizem que os homens passam e os clubes ficam. Talvez com os outros seja assim. Já o United, como o futebol europeu, nunca poderá ser o mesmo sem ele no trono de Old Trafford. Acho que acreditei, desde que o vi naquele primeiro dia, que ele lá ficasse para sempre. De uma forma ou de outra, acho que ainda acredito.


P.S. - Não havia mais nada para ganhar, mas ficarão a dever à eternidade o abraço do regresso a casa.

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