terça-feira, 21 de maio de 2013

O Moudridismo

 

Foi uma experiência tão radical quanto os dois. O treinador e o clube mais mediáticos do mundo finalmente juntos, egos individual e colectivo a se equipararem numa tempestade perfeita. Acho que se sabia, desde o início, que como num qualquer clássico de glória e tragédia, não poderia acabar a bem. Teria vida, apogeu, mas, no fim, nenhum felizes para sempre. Sabia-se, e não deixa de ser crua a forma como acabou. Mourinho acossado, sozinho contra todos os leões que, no fundo, ele próprio se dedicou a convocar ao longo destes anos. Pela primeira vez na carreira, sai pela porta dos fundos, e essa é uma imagem indesmentível e forte que chegue.

É facto que, 4 anos depois de uma seca desértica que não parecia poder ter fim, o Real voltou mesmo a ser campeão, com recorde de pontos e recorde de golos, o que diz tudo sobre a hipérbole da tarefa. É facto que, após 6 anos de vergonha europeia, fizeram-se 3 meias-finais seguidas, e o nome do campeoníssimo continental recuperou finalmente o respeito. Mas é facto que, por menos habituados que estejamos a dizê-lo, isso não lhe chegou para ganhar a aventura em Madrid. Não lhe chegou pelos resultados, e não lhe chegou pela falta do infinito poder de encaixe que é necessário para subsistir num monstro como o Real.

Para ganhar a batalha do tempo, era preciso fazer concessões. Mourinho reiterou, porém, desde o primeiro dia, que seria o único dono do seu destino, custasse o que custasse. E isso custou-lhe quase tudo. Fê-lo ir longe de mais, e não o salvou do abismo que se sabia estar no desenlace do caminho. Ganhou coisas que importam, mas não ganhou tudo o que podia, nem ganhou para poder sair por cima. No fim, o próprio Madrid foi o adversário que nem ele pôde derrotar. O colosso que não admitiu que não se baixassem a ele, o mosaico de ilustres pronto a lembrar-lhe sempre da sua insignificância, a menina dos olhos da imprensa mais agressiva do mundo, que não lhe perdoaria nem o que não era preciso perdoar.

Mais do que ganhou e do que perdeu, o pináculo e a queda de Mourinho foi a percepção. O seu legado, mais do que os 3 títulos e as 3 meias-finais, é ter devolvido o Real ao ideário das equipas grandes. Por mais que custe aos madridistas, o velho gigante era só um borrão merengue amarelecido pelo tempo que, entre fortunas gastas e treinadores duvidosos, ninguém levara realmente a sério na última década. Isso é o que ninguém lhe pode tirar. O seu abismo foi insistir que, em Roma, não tinha de ser romano. Que o acatariam se dividisse para reinar, que o seguiriam, mesmo se ele os tirasse do pedestal. Para o bem e para o mal, o Real não é assim. Mais do que não o ter percebido, Mourinho é que não saberia estar de outra maneira. Ganhou coisas que importam, mas não ganhou tudo o que podia. Sai, porém, como entrou: igual a si próprio, sem dever nada a ninguém. Entre dobrar e quebrar, nunca existiu realmente opção. O Real terá agora tempo que chegue para descobrir a falta que ele pode fazer.

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