quinta-feira, 25 de abril de 2013

Medo


Teve a violência de legiões bárbaras da Baviera a pilarem os maiores tesouros de toda uma Europa do Sul. A incendiarem tudo, e a incendiarem o tempo todo, sem dó e sem piedade, e sem deixarem ninguém vivo para contar. No início do ano, a antecipação de tamanho cenário teria sido delirante. O blaugrana melhor de sempre, o merengue maior campeão de todos os tempos, o tiki-taka e o mourinhismo, a extra-terrestrialidade luso-argentina. Barça e Real eram as duas vacas sagradas de um continente e de uma era, só passíveis de derrotar numa brincadeira do universo.

O jogo, porém, é volátil. Chispa, queima e muda, pode mudar muito, e mudar em muito pouco tempo. Esta semana, a verdade é que já ninguém estava assim tão desprevenido. No ano passado, era legítimo arruinar-se a apostar que Messi e Ronaldo seriam o prato da final. Desta vez, no entanto, já toda a gente ouvia o roncar dos motores ao longe. Toda a gente percebia a pujança da maquinaria alemã a chegar no vazio, com um som ensurdecedor, e uma cadência para quebrar ossos. O que não se sabia era serem humanamente imparáveis.

Ouvi uma vez que o sentimento mais poderoso de todos não é o amor; é o medo. No limite, nada nos paralisa tão completamente como o medo, e nada nos precipita tão grandes reacções. As meias-finais da Liga dos Campeões de 2013 foram uma história sobre medo. Sobre o terror que consumiu toda a vida de quem tinha o trono, e lhe esgotou toda e qualquer gota de sangue no corpo; e sobre os temores feitos banquete por quem não tinha nada para defender, e que, numa hipotética dúvida existencial, percebeu que a única saída era ser tão gloriosamente louco quanto possível.

Este Espanha-Alemanha inacreditável, que a História eternizará, não teve nada de racional. Não pode ser descrito como táctico, surpreendente, exagerado. Não pode ter nominologia de jogos normais, como não tem o que é bigger than life. Se o Bayern tivesse sido muito bom, tinha ganho 1-0; se o Borussia tivesse feito uso de todos os seus méritos, tinha ficado com 2-1. A monstruosidade dos resultados finais é transcendência em estado puro. É a perversão de todas as fórmulas, é o jogo na dimensão em que já não se pode medir, e cuja estrutura atómica nunca se poderá dissecar verdadeiramente. Bayern e Borussia são duas equipas perfeitamente extraordinárias; isso, por si só, não lhes teria chegado. Conquistarão Wembley por KO, porque conquistaram o medo, e porque essa era a única forma de o fazer.

1 comentário:

Tiago Miranda disse...

Não tendo exactamente a ver com este tópico, quero apenas deixar aqui as minhas felicitações. Este é o único blogue que leio regular e atentamente. Os temas interessam-me (obviamente), mas acima de tudo pela forma clara e apaixonada como é escrito. Obrigado por estes momentos de descontracção proporcionados.