sexta-feira, 22 de março de 2013

O anticristo voltou de Paris para nos assombrar


A pessoalização da crise em Sócrates continua a ser qualquer coisa de extraordinário.

Já passaram duas vidas desde que ele se foi embora. Até ver, pelo menos, Sócrates não é ladrão, não roubou com a crise, não fugiu. Ganhou duas eleições, governou com os erros de quem governa, e chegou-se à frente até ao fim, até perder como tinha começado. Ao contrário do que se cavalgou naquela demagogia febril, que pariu às pessoas o demónio de que elas precisavam, Sócrates não era nem a raíz de todos os males, nem o seu fim, como se tem provado espectacularmente desde aí.

As reacções a este seu regresso à vida pública continuam, no entanto, a dar que pensar. O último par de anos está aí a gritar para nós, mas Sócrates continua a ser a besta negra primordial. O seu regresso é um exemplo notável do perigo do oportunismo, da instigação de ódio e da demagogia, nestes tempos difíceis. O país foi estupidamente martirizado nestes dois anos, mergulhou num buraco negro de austeridade recessiva, e tem vivido dos excessos próprios da política dos gabinetes e dos livros, estranha à rua e às pessoas. O Governo tem sido tão extremista, fraco e grosseiramente mal preparado como prometeu, e tem provado, a altos berros, que se elegeu exclusivamente à base dessa demonização individual, falhando, dia após dia, ponto após ponto, em tudo o que bestializava como culpa única do tumor que era Sócrates. Vimos isto tudo, e, porém, o que nos indigna verdadeiramente é a desfaçatez de Sócrates voltar a botar pés nesta terra.


Talvez Sócrates já fosse, na altura, mais problema do que solução. Mas a crise que era culpa dele, afinal não era. As medidas que podiam ser melhores, afinal não podiam. E nesta perversão irresponsável, própria do lixo que são as nossas elites políticas, caiu um Governo, agravou-se a crise, e, até hoje, só ficámos pior. Talvez Sócrates não fosse a solução para os nossos males. Por esta altura, contudo, também já não era mau termos todos percebido que ele não era o filho do diabo, e que afinal não havia nenhuma poção mágica.

Reconheço as falências de Sócrates, e estou longe de o idolatrar, tal como não acho que a política possa, alguma vez, ser um clubismo. Mas sei reconhecer um líder quando o vejo. Mais do que um excelente político, que o era, ele tinha esse instinto, era um natural. Que me perdoem os exorcistas do Socratismo, mas os bons serão sempre melhor opção e, à vista de hoje, Sócrates era um luxo. Se estamos tão chocados que ele vá falar na RTP, ao menos que andássemos a chorar pelo facto dos que ficaram para decidir a nossa vida não serem mais do que dois Jotinhas com o carisma e o nervo de uma folha de papel, que há 20 anos, e que se foda o país, já sabiam que ali se haviam de sentar, a brincar aos governos.

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