domingo, 6 de janeiro de 2013

Zero Dark Thirty


Teve ângulo, mas falhou com ele.

A crónica toda a gente sabe: a década que espaçou o 11 de Setembro e a morte de Bin Laden. A profética caça ao homem, o investimento humano, os falhanços, a desorientação e a consumação. Ao contrário do que se poderia pensar, o filme não assenta só nos eventos do ano passado, vai fundo, vai atrás, é cronológico, e isso fica-lhe bem, dá-lhe uma profundidade interessante, pese mal aproveitada depois.

O fracasso de Zero Dark Thirty começa e acaba na Maya de Jessica Chastain. Não necessariamente na sua performance - que, de qualquer maneira, é quase sempre plástica e pouco convincente -, mas na forma como a projectam. O filme quis explorar um carácter pessoal, distanciar-se da epopeia mediática, e humanizar a história, o que era lógico. Para isso, contudo, meteu as fichas todas na sua protagonista, a figura supostamente verídica de uma agente da CIA, retratada como uma mulher-ícone, uma agente-modelo e uma referência incontornável daqueles anos, obcecada com o trabalho, com o caso, e, muito especialmente, com Bin Laden. Essa opção, infelizmente, saiu bastante mal, quer porque Chastain não teve estaleca para tanto, quer porque toda a lógica da sua personagem é perfeitamente abusiva.

"Maya" acaba por canalizar de forma enjoativa o tradicional herói americano, num texto pretensioso que nem tem nada a ver com ela, e que torna o filme, não na "maior caça ao Homem da História", como anuncia a tagline, mas numa obsessão pessoal empolada, incapaz de ter, alguma vez, um pouco de empatia ("acho que me pouparam para que fosse eu a desvendar", etc.) Então se a compararmos com outra lead feminina assombrada pelo 11 de Setembro e pelo terrorismo - Claire Danes, em Homeland -, é corrosivo. Depois da história elegante do vício tormentoso pela guerra, em Hurt Locker, que lhe valeu o Óscar para Argumento Original, Mark Boal foi infeliz: no que tinha de se distinguir - isto é, na recriação do contexto e das pessoas paralelas ao que já todos sabíamos que ia contar -, este seu original é uma história insuflada e indigesta.

Para ser sincero, o filme só é verdadeiramente bom nas fases em que a acção não é contaminada pela omnipotência da protagonista: no desconforto avassalador e na violência torturante dos interrogatórios, no capítulo inicial, com Jason Clarke, dormente e destruidor ao mesmo tempo, e, principalmente, o francês Reda Kateb, perdido em sofrimento, a serem as melhores interpretações do filme; e, depois, na majestosa e inevitável sequência final, executada com requinte e um poder total, em visual, em suspense, em silêncio e a cada passo, e onde Kathryn Bigelow pôde concretizar plenamente a capacidade que tem para estas coisas.

Para contar a história da caça a Bin Laden era inevitável investir nas personagens, fazer com que aquilo também fosse a sua história. Zero Dark Thirty decidiu apostar tudo numa, fazendo dela uma qualquer messias incansável, intrometida demais, maçante demais, cheesy demais, e carismática de menos. Vale a História, a Realização e o ambiente, mas sabe a pouco.

6/10

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