segunda-feira, 2 de julho de 2012

EURO, #17: A equipa que vimos jogar


Espanha-Itália, 4-0

No Euro-2012, a Espanha só se transcendeu num jogo. Como acontece com os maiores, porém, esse jogo foi a final.

A exibição da Roja foi impressionante. Não pelo estilo, nem sequer pela extraordinária superioridade, mas pelo facto dos homens de Del Bosque, quando tinham tudo a perder, quando eram acusados de ser aborrecidos, e de estarem em sub-rendimento e em fim de ciclo, não terem duvidado, nem por um segundo, das suas possibilidades, e de terem ousado surpreender. A Espanha não quis ser só a Espanha de sempre. Leu o jogo, quis arriscar, e saiu da sua zona de conforto, dando vertigem à partida, e espaço ao último terço da Itália. O objectivo era que os homens de Prandelli se desposicionassem, pela ilusão de que podiam fazer mais, e a estratégia de Del Bosque foi brilhante: insinuando permeabilidade atrás, fez a Itália perseguir o fruto proibido; a equipa de Prandelli queria tanto atacar que não percebeu a armadilha, e correu para o abismo; com espaço para jogar, o cheque-mate espanhol passou a ser, então, uma questão de tempo.

A Itália sucumbiu à estratégia espanhola, e sucumbiu às circunstâncias. À entrada para a final, havia uma quase unanimidade em relação aos homens de Prandelli. A bola estava do lado da Espanha, como sempre, mas cria-se, realmente, que este era o Europeu da Azzurra. Não é que a Itália tenha menosprezado a Espanha, mas entrou muito menos avisada e muito mais iludida do que teria de ser, perante um adversário que é um ancião destas coisas. Os espanhóis foram incrivelmente maduros, confiaram inabalavelmente no que podiam fazer, e desenharam, à regra e ao esquadro, o rumo do jogo. A Itália não percebeu logo e, mesmo depois de ter percebido, não deixou de ser uma equipa pura, uma equipa que achou que o jogo positivo podia, por si só, derrubar o toque, a experiência e a estratégia espanholas. Não podia. A Espanha é gigante, monopoliza as leis do jogo, e elimina a margem de erro, e não pode ser batida sem disciplina, sem sacrifício, sem auto-censura donde até se pode ir, em suma, não pode ser batida no jogo pelo jogo. Esta final era tudo menos aleatória, e foi demasiada para uma Itália tão jovial e imprudente.

1 de Julho de 2012 passa a ser o dia em que a Espanha se chancelou como a melhor Selecção da História do Jogo. O gosto pelo estilo será discutido para sempre, mas o estatuto já não é subjectivo; a Espanha é bicampeã europeia e campeã do Mundo, e é a primeira selecção da História a ganhar três grandes torneios seguidos. Não fui hoje por eles, como nunca fui, e como não serei no Brasil, quando a Armada for tentar engrandecer ainda mais o mito. Independentemente disso, não há discussão: esta Espanha selou hoje o lugar que já todos suspeitávamos ser seu, e é a Selecção que diremos aos nossos netos ter visto jogar.

Espanha - A grande Espanha apareceu porque apareceu o maior dos seus profetas: Xavi não fez um torneio como noutros tempos, mas fez uma final que quase valeu pelo resto. 2 assistências, e uma centelha permanente a brilhar, um entusiasmo próprio de quem se engalanou para isto, de quem estava ali a assumir finalmente o palco, a responder pleno ao teste dos testes. Xavi foi monumental, e hoje não poderia ter sido de outra maneira.

Silva e Fabregas, mesmo sem o simbolismo nem os minutos de Xavi e Iniesta, foram os mais rentáveis jogadores espanhóis no Euro. Silva acrescentou golos às toneladas de futebol que joga por natureza, Fabregas estranhou-se naquela barcelonização do ataque, mas provou ser um ás de trunfo para a produção da equipa.

Num onze que poucas chances tem de sofrer golos, Casillas é a razão porque nem os poucos entram. É um capitão-rochedo, o guardião-modelo para qualquer equipa grande. Sérgio Ramos herdou o lugar e a imponência de Puyol, e fez, se calhar de forma surpreendente, um belíssimo Europeu. A grande revelação foi, por sua vez, Jordi Alba, uma canhota que parece ter sido feita a pedido para esta Selecção: agressivo, inteligente, e de classe no pé a descer o flanco esquerdo. Na próxima época, na Catalunha, só poderá continuar a crescer.

Itália - Jogo ingrato para o histórico e para o talento da equipa. O 4-0 fará esquecer algumas coisas, mas não desfaz nada do que ela representou: a Azzurra foi a melhor Selecção do Euro, e Pirlo foi o melhor jogador, mesmo que hoje a Espanha tenha sido grande demais para qualquer um deles.

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