sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O meu querido pé esquerdo

Entre os três enormes pés esquerdos que chegaram aos grandes a partir de 2007, devo dizer que era em Vukcevic quem sempre apostei as minhas fichas. Di María chegou mais novo do que os outros, mas, mesmo com a técnica transbordante, pareceu durante demasiado tempo um miúdo que não queria crescer, descomprometido com o jogo, para quem o que conseguia fazer num ou noutro grande movimento, mesmo que inconsequente, dava e sobrava.

Hulk foi o último a chegar e, sinceramente, era aquele que menos me impressionava. A potência esteve sempre lá, mas Hulk passou muito tempo a não saber pensar, e essa condição de máquina sem cérebro, que se assumia como inequívoca fragilidade emocional nos grandes jogos, chegou a fazer parecer que o super-herói resgatado às profundezas da segunda divisão japonesa nunca chegaria a sê-lo verdadeiramente.

Vukcevic era diferente. Era uma espécie de médio-ofensivo ou interior esquerdo ou direito, que jogava sem doer a ponta-de-lança e que finalizava com a mesma facilidade com que pensava jogo e com que, com o seu iluminado pé esquerdo, não parava de criar futebol. Acima de tudo, Vukcevic tinha algo de impagável, ainda por cima num jovem que chegou com 21 anos: classe. O enorme potencial bruto de Vukcevic acabou no entanto por esbarrar no seu próprio feitio, e o assomo dos primeiros tempos, que o puseram aos olhos da Europa, acabou por se eclipsar.

Num Sporting tão predisposto a casos, foi a pior coisa que lhe podia ter acontecido. O montenegrino passou os últimos dois anos e meio e três treinadores entre o castigo e as pequenas oportunidades, entre o brilho que carrega nas botas e a intermitência a que é condenado cronicamente. Continua a ser hoje, para mim, o maior jogador do Sporting, mas a jogar a 4.ª época em Portugal, uma coisa já parece inevitável: a sua confirmação, se algum dia chegar, nunca o será em Alvalade.

Haverá muito de problema estrutural, num clube invulgar a criar talentos como o Sporting, mas que é incapaz de potenciar durante tempo que se veja o que cria ou o que contrata. Foi essa a grande diferença para os outros dois. Di María e Hulk puderam crescer. O argentino beneficiou duma conjuntura fortíssima no Benfica, o brasileiro da estrutura do Porto. Ambos da exposição, da boa orientação, da confiança e da mecânica de vitória. Ao ver Di María, pleno de confiança, deixar para trás jogadores do Milan e fazer assistências de golo no São Siro, ou Hulk a ser muito maior do que a Liga Portuguesa, e a pôr pé e meio nos grandes da Europa, não deixa de dar que pensar. Num Sporting pouco menos sombrio do que no ano passado, um talento continua a morrer aos poucos.

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