segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Em memória de todos os que já pereceram à espera duma sessão tranquila

Tenho saudades de ir a uma sala de cinema. Saca-se tudo da internet, sejam versões screeners ou DVD rip, mas não é a mesma coisa. Proliferam agora as versões HD, mas o som não é o mesmo, o ambiente não é o mesmo, e o deslumbre também não. Não se confundam, eu até sou um indivíduo francamente caseiro, que por regra vê pouca beleza em despender tempo livre em locais apinhados antes da meia-noite, o que me torna num misto de antisocial e ser ininteligivelmente superior, mas o cinema sempre foi uma saudável excepção.

Não se confundam novamente. Eu gosto muito do Porto, mas o Porto não é a minha casa, e sobretudo não tem o sol do Funchal, a falta de vento do Funchal, e o aconchegante calor perene do Funchal, associado à proximidade do mar e a centros comerciais perto de passadiços quentinhos e bons de passear. No Funchal, eu até sou socialmente de excepções. Já no Porto tenho menos hipóteses, dado o problema gravíssimo de haver um bocado de gente a mais. Rusticamente, deverei ser um tipo de cidade pequena, suponho. No Funchal, eu posso ir ao cinema duas vezes por dia, todos os dias da semana (isto numa equação metafórica que desconsidera os preços pornográficos dos bilhetes), e ter um aproveitamento de satisfação na ordem dos 90%. Claro que na sala pode estar só mais uma pessoa, e eu tenho a certeza à partida que essa pessoa vai ficar religiosamente sentada ao meu lado, mas a experiência diz-me que isso são regras secretas que todos os cinemas do mundo têm de respeitar, em nome da inter-relação e do calor humano.

No Funchal, eu posso ir ao cinema com evidentes probabilidades de não ter gente com os pés em cima da minha cadeira, gente a cuspir pipocas, a guinchar, a rir, a falar alto, a avacalhar, a apalhaçar, a não perceber o filme em voz alta (e pensem um bocado na beleza deste conceito) ou a tentar, através de métodos estupidificadores, cortejar jovens donzelas cortejáveis através dos mesmos. Por tudo isso, passo à porta dum cinema no Porto, mas já nunca páro. Antes ver lojas (não exageremos, mas ilustrativamente é uma contraposição gira).

Acho que tenho pena de quem nunca viu uma sessão descansado. Ou quase nunca. E, como sou egoísta, tenho pena de mim próprio nesta minha espécie de desterro cinematográfico. Tenho saudades de ir ao cinema, repito. Também as terei do Funchal, provavelmente.

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