terça-feira, 30 de novembro de 2010

Ele também não sabia o que traria o amanhã

Não sou ninguém para falar de Pessoa. Dele só li excertos d'A Mensagem, excertos dos Heterónimos, e uma lista grande de pensamentos soltos, quase tudo por alturas do Secundário, em que a praxe era ter ódio aos autores que nos mandavam estudar. A maioria punha-se a jeito, digo eu. Camões, por exemplo. Mas nunca Pessoa. E claro que Os Lusíadas é que passaram à História, que o Eça é que saíu com Os Maias, e que Saramago, que muito respeito, é que foi Nobel. Mas Pessoa, percebia-se em quase tudo, era o outro campeonato. Pessoa era o maior de todos.

75 anos depois da sua morte, podia citá-lo com uma quase infinidade de linhas majestosas, da maneira como o mestre via a vida. Fá-lo-ei, contudo, com uma tirada à Lusíadas, que foi também o primeiro grande poema com que ele me esmagou.

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
D' El-rei D. João Segundo!»

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